terça-feira, 16 de agosto de 2011

Para onde nos leva a perfeição

Onde foi que aprendemos e decoramos que tínhamos que buscar a perfeição, ou perfeições?

Onde foi que aprendemos a admirar os modelos de perfeição?

Conheci uma vizinha que tudo era perfeito na sua vida: seus filhos brincalhões, seu bem sucedido marido, suas empregadas uniformizadas. Chegava em casa estendia suas luvas para uma funcionaria e a bolsa com as chaves do carro para outra.O café era servido numa pequena mesa com toalhas engomadas de linho, xícaras importadas e tudo enfeitado com sorrisos e brasões da família. Os armários....impecáveis.o guarda-roupa era guarnecido com uma mesa de passar para cada peça a ser vestida.
Tudo perfeito;bem...tudo parecia perfeito. Ela ia festas e nem se sentava para não amassar o vestido, os filhos tinham um guarda-roupa de magro e outro de gordo ????? lenços de seda do marido protegiam o colarinho de suas camisas. Coisas só vistas em filme de Holywood dos anos 50.
Mas também visitava uma amiga de minha avó que morava numa palafita em Bertioga com tudo perfeitamente limpo e enfeitado com flores;até hoje, lembro de brincar no assoalho encerado que parecia um espelho – imagino quanto tempo ela gastava para ter aquele efeito!!!Seu vestido de chita florido era super bem passado, o bolo do lanche era tirado do forno no ponto.os objetos de fazer unha eram meticulosamente guardados dentro da caixinha de veludo e o costureiro acomodava as linhas em cores “degradês” e...sempre um sorriso no rosto; sempre!!!!!

Como será na verdade essa busca pela perfeição? Para que, para quem, por que?
Será que a iluminação é exatamente a perfeição?
No texto abaixo que recebi da amiga Noemi, encontrei uma das hipóteses e compartilho com você.

A Arte da Imperfeição

Não sei quanto a você, mas eu ando definitivamente exausta de correr atrás da perfeição. No outro dia me peguei medindo as toalhas de banho dobradas para que elas formassem impecáveis pilhas no meu armário. Uma amiga me diz que arruma os vidros de tempero por ordem alfabética. Não é incrível?

Nosso índice de tolerância aos "defeitos de fabricação" do universo anda mesmo muito baixo. E isso nos torna a espécie mais reclamona do universo, provavelmente a única! Ou será que bois e vacas interiormente também reclamam do calor e daquelas moscas sempre em volta dos seus rabos...

Passamos um bocado de tempo tentando caber nas molduras que inventamos para nós mesmos. Isso quando escapamos de tentar vestir à força as expectativas que os OUTROS criaram para NÓS. Senão, me digam por que seres humanos razoáveis investiriam tanto tempo, dinheiro e energia para tentar recuperar a imagem que tinham aos 18 anos?

Perceber a beleza que se esconde nas frestas do mundo imperfeito é uma Arte. Você conhece aquela história de que os tapetes persas sempre tem um pequeno erro, um minúsculo defeito, apenas para lembrar a quem olha de que só Deus é perfeito? Pois é, a Arte da Imperfeição começa quando a gente reconhece e aceita nossa tola condição humana.

Para isso precisamos aprender a aceitar nossas falhas e dos outros com a mesma graça e humildade com que aceitamos nossas melhores qualidades. E, importante: estarmos dispostos, sempre, a perdoar a nós mesmos. Não precisamos ser perfeitos para ser um ser humano bem-sucedido. De fato, com mais frequência do que imaginamos, o desejo de acertar sempre impede as coisas de melhorarem e a necessidade de estar no controle aumenta a desordem e o caos.

A Arte da Imperfeição, no entanto, não se limita ao reconhecimento das imperfeições humanas. Também tem a ver com nosso jeito de olhar para as coisas mais banais, mais corriqueiras e enxergá-las com outros olhos.

Leonard Koren publicou alguns livros tentando revelar para o nosso jeito ocidental as delicadezas do olhar wabi sabi. Wabi sabi é a expressão que os japoneses inventaram para definir a beleza que mora nas coisas imperfeitas e incompletas. O termo é quase que intraduzível. Na verdade, wabi sabi é um jeito de "ver" as coisas através de uma ótica de simplicidade, naturalidade e aceitação da realidade.

Contam que o conceito surgiu por volta do século 15. Um jovem chamado Sen no Rikyu (1522-1591) queria aprender os complicados rituais da Cerimônia do Chá. E foi procurar o grande mestre Takeno Joo. Para testar o rapaz, o mestre mandou que ele varresse o jardim. Rikyu lançou-se ao trabalho feliz. Limpou o jardim até que não restasse nem uma folhinha fora do lugar. Ao terminar, examinou cuidadosamente o que tinha feito: o jardim perfeito, impecável, cada centímetro de areia imaculadamente varrido, cada pedra no lugar, todas as plantas caprichadamente ajeitadas. E então, antes de apresentar o resultado ao mestre Rikyu chacoalhou o tronco de uma cerejeira e fez caírem algumas flores que se espalharam displicentes pelo chão.
Mestre Joo, impressionado, admitiu o jovem no seu mosteiro. Rikyu virou um grande Mestre do Chá e desde então é reverenciado como aquele que entendeu a essência do conceito de wabi-sabi: a arte da imperfeição.

O que a historinha de Rikyu tem para nos ensinar é que estes mestres japoneses, com sua sofisticadíssima cultura inspirada nos ensinamentos do taoísmo e do zen budismo, conseguiram perceber que a ação humana sobre o mundo deve ser tão delicada que não impeça a verdadeira natureza das coisas de se revelar. E a natureza das coisas é percorrer seu ciclo de nascimento, deslumbramento e morte; efêmeras e frágeis.
Eles enxergaram a beleza e a elegância que existe em tudo que é tocado pelo carinho do tempo. Um velho bule de chá, musgo cobrindo as pedras do caminho, a toalha amarelada da avó, a cadeira de madeira branqueada de chuva que espreguiça no jardim, uma única rosa solta no vaso, a maçaneta da porta nublada das mãos que deixou entrar e sair.

Wabi sabi é olhar para o mundo com uma certa melancolia de quem sabe que a vida é passageira e, por isso mesmo, bela. Para os olhos artistas de Leonard Koren wabi sabi é inseparável da sabedoria budista que ensina:
__Todas as coisas são impermanentes
Todas as coisas são imperfeitas
Todas as coisas são incompletas
Daí olhar para elas de um modo wabi sabi é ver:
A beleza que existe naquilo que tem as marcas do tempo.
A beleza do que é humilde e simples.
A beleza de tudo que não é convencional.
A beleza dos materiais que ainda guardam em si a natureza.
A beleza da mudança das estações.

A Arte da Imperfeição é ver a vida com a tranquilidade de quem sabe que a busca da perfeição exaure nossas forças e corrói nossas pequenas alegrias. Porque, como disse Thomas Moore, "a perfeição pertence a um mundo imaginário". No nosso mundo, a imperfeição é de verdade, aqui e agora. Que tal abrirmos os olhos para o estilo wabi sabi?


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