segunda-feira, 21 de maio de 2012

Quando as crises chegam

Escrevi o texto que você está lendo agora na última sexta-feira, dia 18. Crises podem ser resultado de perdas, separações, decepções... os sustos de diferentes tipos. Crise é aquele momento, aquele estado de perda de lucidez em que, aparentemente, não percebemos a solução; como se esse momento fosse durar para sempre, uma falência inevitável. É um momento em que tudo escurece, tudo fica turvo. Quinta-feira passada assisti o filme O exótico hotel Marigold e uma das idéias que chamou a atenção foi: viver a vida como um privilégio, não como um direito e percebi durante a conversa no caminho escuro e molhado de volta à casa que isso é uma coisa que aprendo também com meu pai a cada vez que nos encontramos. E.... chegando em casa recebi a notícia que, exatamente meu pai (86 anos), tinha tido uma importante hemorragia cerebral e tinha sido necessário interna-lo imediatamente em Manaus, onde mora, para iniciar os preparativos para cirurgia de drenagem. Ele não está sofrendo e não apresenta seqüelas (o cérebro idoso diminui de tamanho e demora mais a apresentar sintomas quando há hemorragias); ele está em repouso absoluto e por telefone, como sempre, continua brincando, me desafiando e pedindo para que eu tenha juízo..... Na próxima semana vou completar 61 anos e tenho meus 2 pais vivos, independentes, relativamente saudáveis e não dão trabalho, o que é raro na minha idade. Confesso que essa notícia foi um susto. Um dia as despedidas serão inevitáveis; embora os pais não sejam imprescindíveis ( ou pelo menos não deveriam ser) na nossa sobrevivência a partir da idade adulta, eles representam uma certa segurança, teoricamente seriam alguém a quem recorrer nos momentos difíceis. Por alguns momentos, ou melhor, algumas horas, tudo ficou turvo e meu corpo foi tomado por uma fragilidade silenciosa. Se não fosse por mais nada, só o fato de ter sido através da permissão que recebi destes pais para viver esta vida em que tive tantas descobertas e redescobertas já seria o suficiente para,de forma emocionada, demonstrar minha profunda gratidão. Temos direito a viver crises, somos humanos (e não ratos) mas elas podem ser breves.Passado o susto, o caminho de saída é olhar para fora de si e tentar tornar o outro mais importante do que nossa dor e nossa impotência. Como ? Com um elogio, com a presença atenciosa,com uma lembrança divertida, com um incentivo real, com a promessa de preces, estimulando a confiança nos médicos e na sua própria força de vida. Esta reflexão hoje, surgiu após ter lido o texto de Lama Padma Samten para a revista Bodisatva sobre nossos sofrimentos mentais: Quando nós estamos em meio a uma crise, as crises são sempre alguma coisa parecida com um rato preso em algum lugar e que não está encontrando saída. A nossa mente gira acelerada porque nós estamos buscando saída e aquilo naturalmente já é a perturbação. Enquanto nós estamos focados intensamente buscando uma saída, a gente passa por cima dos outros, não vê os outros, tem um comportamento estranho. Uma das características das nossas crises é a gente não ver os outros. Ou seja, a gente está focado em alguma coisa muito específica e no caso da crise nós não estamos tendo vitória nenhuma, nós estamos nos sentindo ameaçados. Esta sensação de ameaça, com a sensação de que não encontramos saída, e nós vasculhamos intensamente as saídas, é a característica de uma crise. ............................... Então vocês vão ver, as pessoas fazem coisas tresloucadas, mas elas estão operando dentro de um critério. A característica essencial deste critério é assim: ela está jogando um jogo e está perdendo. Ela não pode perder, a perda é uma coisa completamente insuportável, é alguma coisa impossível de ser vivida ............................... Quando nós estamos muito aflitos, a mente não consegue nem escutar o que estou dizendo aqui, é porque a gente não quer ouvir nada. Nós queremos é sair, nós estamos num lugar muito quente, ou muito frio, ou muito cortante, ou sem ar, sem água, nós estamos muito, muito mal. Por isso, a gente não consegue ouvir, a nossa mente gira o tempo todo, não é nada mais do que isso. ........................................... Ou, por exemplo, quando o rato desiste, ele entra em depressão, fica parado no mesmo lugar. Ou o rato fica psicótico. Ele fica assim e quando aparece alguém ele vai lá, dá uma mordida e volta, fica parado. E não há o que fazer. Todos eles estão completamente apavorados dentro das circunstâncias que estão vivendo. Isso é especialmente o reino dos infernos. A pessoa entrou no reino dos infernos, ou no reino dos seres famintos. Eventualmente no reino dos animais, mas os animais é uma coisa menos grave, ninguém vai se sentir louco por estar ali. A pessoa vai se sentir sem energia, sem criatividade, sem interesse pela vida, sem rumo. Mas ela não está se sentindo louca, não está se sentindo em crise realmente, ela está passando por um período, algo que um psicólogo resolveria, ou um amigo. ............................................. Na visão budista, fora da lucidez não há salvação. Esse é o ponto. E lucidez tem um sentido profundo: significa compreensão da vacuidade. Compreensão da vacuidade intelectual, emocional, compreensão das paisagens como vacuidade, compreensão das mandalas. É necessário isso. Fora disso, não há lucidez. E não havendo lucidez, mesmo que a gente esteja dentro de um caminho espiritual, a gente pode vir a enfrentar situações bem difíceis, é inevitável. (vacuidade, numa forma simplificada é interdependência de tudo, nada existe, existiu ou existirá de forma independente) E, neste momento e em muitos outros que virão dedico a prece de Metabavana a meu pai e a todos os outros pais. “Que meu pai seja feliz e que ele supere o sofrimento Que ele encontre as causas da felicidade e supere as causas do sofrimento Que suas marcas mentais: medos, raivas, culpas, duvidas e ansiedades sejam dissolvidos e surja nele uma lucidez completa e instantânea para tudo e para todos Que ele traga vasto benefício e alívio a todos os seres e encontre nisso a sua fonte de energia e alegria.”

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