segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Direito de escolher na hora da morte

Direito de escolher na hora da morte O tema está guardado há alguns meses e,lendo a reportagem na revista Veja sobre esse momento, abro o assunto para reflexão: “Decisão do Conselho Federal de Medicina muda a conduta do médico brasileiro ao reconhecer a legitimidade do testamento vital, documento no qual os pacientes registram o tratamento que desejam receber quando a morte se aproxima” Para a filosofia budista o momento da morte é um momento precioso na expansão da consciência. Na visão budista esse momento delicado deve ser um momento de tranqüilidade e delicadeza, para que os medos das projeções mentais possam ser superados. Inclusive há a forte sugestão de que as pessoas que cercam se empenhem em relembrar apenas e principalmente as vitórias e as situações positivas e alegres de quem está morrendo. Na cultura em que vivemos o tema da hora da morte – o fim de tudo o que é vivo - é um tabu cercado de disfarces e fantasias. No Budismo costuma-se falar bastante sobre a morte, não na forma masoquista, mas para que seja “obrigatório” aproveitar cada momento desta preciosa vida e “desmoralizar” os medos que cercam o momento da morte – só tememos o que evitamos conhecer. Mas é inevitável encarar essa realidade. Você já se programou para esse momento? Você já refletiu como quer que as pessoas em volta te ajudem? Até que ponto você vai autorizar os tratamentos? Estranho, não é ? mas é um direito de cada um poder escolher como quer ser tratado. O que você pensa permitir sobre o prolongamento artificial da vida? Abaixo coloco o importante texto que Lama Padma Samten sugeriu que fosse lido nos grupos por ocasião do falecimento de um dos participantes. Penso que o testamento apresentado pela a revista citada seja um modelo de interesse : “eu, ....., diante de uma situação de doença grave em progressão e fora de possibilidade de reversão, apresento minhas diretrizes antecipadas de cuidados à vida. Se chegar a padecer de alguma enfermidade manifestamente incurável, que me cause sofrimento ou me torne incapaz para uma vida racional e autônoma, faço constar, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e a da autonomia da vontade, que aceito a terminalidade da vida e repudio qualquer intervenção extraordinária, inútil e fútil. Ou seja, qualquer ação médica pela qual os benefícios sejam nulos ou demasiadamente pequenos e não superem os seus potenciais malefícios. As diretrizes incluem os seguintes cuidados: admito ir para UTI somente se tiver alguma chance de sair em menos de uma semana; não aceito que me alimentem à força. Se não puder demonstrar vontade de comer, recuso qualquer procedimento de suporte à alimentação; não quero ser reanimada no caso de parada respiratória ou cardíaca”. Uma Introdução ao Bardo Por Sua Santidade Dudjom Rinpoche Palestra por ocasião da iniciação a “Mil Budas”, associada com a sadana do Nobre Compassivo, o Senhor do Espaço. Diz-se que toda a doutrina do Buda poderia ser sintetizada no ensinamento dos seis bardos. O Darma do Buda é vasto e profundo e as muitas abordagens dos vários veículos e ciclos de ensinamentos abrangem uma inconcebível riqueza de instrução. Para aqueles que desejam atingir a cidadela primordial da condição de Buda no curso de uma única vida humana, a prática destes ensinamentos é apresentada dentro da abordagem dos seis bardos. O que, portanto, é um bardo? Um bardo é um estado que nem é aqui e nem lá. Por definição é algo que começa no meio, um estado intermediário. Os seis bardos são: (1) o bardo natural da presente vida; (2) o bardo alucinatório do sonho; (3) o bardo da absorção meditativa; (4) o doloroso bardo do morrer; (5) o bardo luminoso da realidade última; e (6) o bardo cármico do ressurgimento. 1. O bardo natural da vida presente O bardo natural da vida presente cobre o período entre o nascimento e a morte. Neste momento, portanto, todos estamos no bardo da presente vida. Como está presente nos ensinamentos, “Kyema! Agora que estou no bardo da minha vida presente, deixarei de ser preguiçoso, pois nesta vida não há tempo a perder!” Esta é a nossa presente condição. Deveríamos pensar cuidadosamente e perguntar a nós mesmos quantos anos já passaram desde que nós nascemos e quantos anos mais ainda teremos. A vida é extremamente impermanente; ninguém escapará da morte. Enquanto estamos nesta situação, desperdiçamos nossa existência inutilmente, jogando fora nosso tempo com preguiça e distrações. A vida segue seu curso e seu ímpeto eventualmente se exaure; neste ponto todas as atividades terminam e nada mais pode ser feito. Por isto se diz que deveríamos evitar cair sob o domínio da indolência e distração. Em lugar disso, deveríamos praticar o Darma que é a única coisa que pode nos ajudar no momento da morte. Apesar de sermos incapazes de praticar tudo, deveríamos praticar tanto quanto possível, sabendo que o modo como vivermos agora pode exercer uma influência positiva nas condições da próxima vida. Tanto quanto possível, portanto, deveríamos evitar mesmo uma única ação negativa e nunca deveríamos perder a oportunidade de realizar mesmo que a menor ação positiva. Uma vez que nada é garantido, diz-se que deveríamos nos conduzir de forma a nada termos para nos arrepender, mesmo que venhamos a morrer amanhã. Este, então, é o primeiro bardo, o bardo da vida presente. 2. O bardo alucinante do sonho O bardo do estado de sonho cobre o período desde o momento em que adormecemos até o momento em que acordamos na manhã seguinte. Este período é semelhante à morte, a duração temporal é a única diferença. Durante o sono as cinco percepções de forma, som, cheiro, sabor, e contato se deslocam para o interior de alaya. Pode-se dizer que elas desmaiam para dentro de alaya, e, de fato, dormir é semelhante a morrer. No início os sonhos não aparecem, há apenas uma escuridão densa enquanto a pessoa afunda-se inconsciente em alaya. Depois, os padrões de apego e percepção ressurgem estimulados pela energia cármica da ignorância . Como resultado disso, os objetos dos sentidos (forma, som, cheiro, sabor e contato) manifestam-se novamente no estado de sonho. Estas aparências, estes objetos de sonho, não estão, naturalmente, presentes dentro de nós. Por outro lado, a consciência não se move em direção a coisas externas. Ela se mantém dentro e suas percepções são imaginárias e deludidas. Esta é a razão de chamarmos este estado de bardo alucinatório. No estado de sonho noturno, a percepção está sujeita a delusão do mesmo modo que durante o dia. Apenas que neste estado de sonho noturno a consciência vagueia através das formas, sons, cheiros, sabores e contato – e vagueia também por todas as percepções experimentadas durante o dia, apenas que agora elas são ainda mais alucinadas. Quando a pessoa adormecida sonha, vê apenas delusões e fantasias. De fato, os ensinamentos dizem que nós mesmos somos como ilusões e sonhos. Naturalmente, pensamos que um sonho é algo irreal quando comparado com a vida do estado acordado, a qual pensamos verdadeira. Para os Budas, entretanto, os sonhos e as percepções da vida estão em pé de igualdade. Nenhuma delas corresponde à realidade. Ambas são falsas: flutuantes, impermanentes, enganadoras – nada mais do que isto. Se olharmos para todas as coisas que já fizemos e experimentamos desde o tempo de nosso nascimento até o momento presente, onde estão elas? Nada há para ser encontrado. Tudo se foi; tudo está em fluxo constante. Isto é obviamente verdadeiro, mas é algo que habitualmente nos escapa. Nós constantemente nos relacionamos com as nossas percepções como se fossem realidades permanentes, pensando, “isto sou eu, isto é meu”. Mas os ensinamentos nos falam que isto tudo é um erro, e este erro é o que verdadeiramente nos leva a vaguear em samsara. Venha o que vier, é justo com as nossas percepções alucinadas de sonho que temos que trabalhar. Durante o dia deveríamos rezar para o Lama e para as Três Jóias, e à noite, deveríamos nos esforçar para reconhecer nossos sonhos como as alucinações que são. Deveríamos ser capazes de transformar nossos sonhos; precisamos praticar o Darma mesmo quando dormindo. Necessitamos ganhar esta habilidade porque se tivermos sucesso, seremos capazes de reconhecer a unidade das percepções do estado acordado com as percepções dos sonhos sem encontrar distinções entre elas e nossa prática se tornará muito mais profunda. Os ensinamentos especificam que esta prática é um modo extremamente efetivo de lidar com a experiência de impermanência e, igualmente, com todos os outros obstáculos. 3. O bardo da absorção meditativa O bardo da absorção meditativa pode ser descrito como o período de tempo em que passamos no equilíbrio meditativo. Termina quando saímos deste estado. Chama-se bardo porque não é semelhante a nossa torrente de pensamentos deludidos e nem é semelhante à percepção fenomênica como experimentada no curso da vida. É um período de estabilidade meditativa, um estado de concentração tão fresco e impoluto com o céu. É como o oceano imóvel no qual não há ondas. É impossível permanecer neste estado quando a mente está cheia de pensamentos (apropriadamente comparados a um bando de ladrões), ou mesmo quando se está ocupado com correntes mentais subconscientes mais sutis, misturadas e compactadas umas com as outras como fios de um tecido. A meditação estável não é possível nestas circunstâncias. Os ensinamentos dizem que os meditantes não podem cair sob o domínio de seus pensamentos, que são comparados a ladrões. Eles deveriam, em lugar disso, manter uma diligência imperturbável, profunda e poderosa, com a qual podem evitar que sua concentração se desfaça. O bardo do sonho e o bardo da absorção meditativa são subdivisões do bardo da vida presente. O bardo da vida presente naturalmente inclui nossa prática. Mesmo que seja intermitente, é necessariamente realizada dentro da abordagem de nossa existência presente. É apenas aqui que podemos meditar. 4. O doloroso bardo do morrer É perfeitamente possível que de um dia para outro venhamos a descobrir que estamos sofrendo de uma doença fatal. Quando todas as cerimônias e preces de longa vida provarem-se inefetivas e a morte for certa, finalmente virá a clareza de que nada do que fizemos na vida foi de algum uso efetivo. Deixaremos tudo para traz. Mesmo que tenhamos uma pilha de riquezas tão elevada como o monte Meru, não poderemos leva-la conosco. Nem mesmo uma agulha e linha! Chegou a hora de ir, mesmo este corpo que amamos tanto será abandonado. O que poderemos levar conosco? Apenas nosso carma positivo e negativo. As ações que acumulamos serão nossas únicas companhias. Entretanto, vamos supor que colocamos as instruções em prática e treinamos a transferência de consciência. Se tivermos ganhado proficiência e se pudermos morrer sem um traço de remorso, teremos feito realmente um grande favor a nós mesmos. Uma pessoa que diz, “irei para tal ou qual terra pura de Buda”, e de fato vai, é um praticante perfeito. Olhemos isto de frente: praticamos o Darma porque o necessitaremos no momento da morte. Esta é a razão pela qual os ensinamentos enfatizam a importância de compreender o que acontece quando morremos. Diz-se que mesmo para uma pessoa comum, o momento da morte é crucial. É o momento quando deveremos rezar ao Lama e às Três Jóias. Deveríamos cortar todas as amarras que nos atam às nossas posses – nossa casa e tudo mais. Pois isto é que nos puxa. Deveríamos também fazer oferendas de nossas posses às Três Jóias rezando para que não tenhamos que passar por uma morte dolorosa e difícil e sofrer após nos reinos inferiores. Se tivermos treinado suficientemente na transferência de consciência e se formos capazes de aplicar esta técnica quando o momento da morte chegar e então transferir com sucesso nossa consciência – esta é a melhor situação entre todas. Mas se não pudermos fazer isto, talvez um lama ou algum de nossos irmãos ou irmãs vajra que esteja conosco e saiba como isto é feito, possa fazer a transferência de consciência por nós. A consciência deveria ser transferida para uma terra pura tão logo a respiração se interrompa . De qualquer modo, é importante planejar isto e ficarmos prontos para quando o momento crucial chegar e não termos necessidade de ficar com medo. Não é necessário lembrar que a preparação tem que ser feita agora, durante o bardo da vida presente. O que acontece quando morremos? Começando no momento da concepção física, o momento em que nossos pais se uniram, nosso corpo passa a tomar consistência a partir da essência dos cinco elementos. É um encontro de elementos como o calor, a energia, os canais sutis e assim por diante. Quando morremos, estes cinco elementos gradualmente se separam e se dissolvem um no outro. Quando a dissolução é completa, nossa respiração externa cessa e nossos pulsos internos são reabsorvidos. A essência branca que recebemos de nosso pai e está localizada no cérebro, e a essência vermelha, recebida de nossa mãe e localizada na região do umbigo, se encontram no centro cardíaco e se misturam. Só então a mente deixa o corpo. Neste ponto, no caso dos que não têm experiência de prática, a mente cai em um prolongado estado de inconsciência. Mas para os que são mestres realizados ou experientes meditantes, a consciência, após dois minutos aproximadamente, dissolve-se no espaço, e o espaço dissolve-se na luminosidade. Qual é o fruto da meditação para aqueles que praticaram? É justamente esta dissolução na luminosidade que é pura e sem máculas como o céu. Isto ocorre quando o pulso interno cessa. Se uma pessoa atingiu a estabilidade no reconhecimento da luminosidade durante a meditação, então tão pronto a experiência de espaço sem máculas aparece, ocorre o assim chamado encontro das luminosidades da mãe e do filho, espaço e lucidez . Isto é a liberação. Na essência, isto é o que os lamas e meditantes que a praticam referem como “repousar em thuktam”, ou meditação no momento da morte. Thuktam nada mais é do que isto. As luminosidades mãe e filho se fundem; e ganha-se a estabilidade das etapas de criação e perfeição. Isto é liberação. 5. O bardo luminoso da realidade última Se não tivermos praticado, desmaiamos quando a experiência de escuridão surge apenas para retornarmos quase imediatamente em meio a percepções assustadoras as quais são referidas como o quinto bardo, o bardo da realidade última . Neste ponto, as deidades pacíficas e iradas aparecem . Elas estão implícitas e presentes em nossa consciência, de Samantabadra aos Budas das cinco famílias e às oito manifestações de Guru Rinpoche. Sua aparência é acompanhada com sons e luzes assustadores. Neste ponto, as pessoas que não estão familiarizadas com a prática se aterrorizam. Tão pronto o medo as domina, estas manifestações da consciência se dissolvem e desaparecem. Eu gostaria de dizer algumas palavras que tanto valem para o bardo do morrer como para o bardo da realidade última. Após os cinco elementos separarem-se e dissolverem-se, a consciência se dissolve no espaço, desmaiando no estado de alaya. Após, a luminosidade é vista. É como o espaço puro e imaculado. Se não tivermos experiência de meditação, não reconheceremos esta luminosidade. Não reconhecida, esta experiência não permanecerá por muito tempo. Entretanto, se tivermos experiência com a concentração da mente, as duas luminosidades, mãe e filho se fundirão. Antes um pouco do início do processo da morte, antes que se inicie a gradual dissolução dos elementos, o mais importante é estar perfeitamente consciente de que você está de fato no processo da morte. Você precisa cortar todo apego às coisas desta vida. Quando a morte chegar, você deveria rezar para as Três Jóias, pois não há qualquer esperança que não elas, você deveria também invocar seu professor raiz, pois ele ou ela é de algum modo mais acessível à você. Quando tudo está dito e feito, seu professor raiz é a corporificação disso. Reze a seu professor, sua verdadeira deidade Yidam, quando dos perigosos desfiladeiros do Bardo. Confesse todas as ações negativas que você tenha cometido durante sua vida e reze concentradamente a seu professor, pedindo para ser conduzido a uma terra pura de Buda imediatamente após a sua morte. Diz-se que este tipo de prece focada e sem distração, com esta aspiração constantemente presente em sua mente, é de fato a precondição para ser conduzido a uma terra pura. Além do mais, quando alguém doente está morrendo, seu professor ou seus filhos Darma (cujo samaya não esteja corrompido e com quem ele tenha uma relação harmoniosa) deveriam relembrá-lo que os elementos estão se dissolvendo como de fato está ocorrendo. Eles deveriam rezar e recitar, invocando o professor. Estas aspirações – de ser liberado do perigo dos caminhos tortuosos do Bardo – será de grande ajuda. Quando um inválido cai, outras pessoas o socorrem e levantam. Do mesmo modo, os amigos Darma podem ser de grande ajuda; eles podem guiar a pessoa que está morrendo e rezar por ela. Isto é muito benéfico. Diz-se que os Budas são dotados de grande compaixão e se alguém os invoca pelo nome (imaculado Ratnashikhin, protetor Amitaba, Buda Sakiamuni, e assim por diante), os sofrimentos dos reinos inferiores são dissolvidos tão pronto seus nomes são pronunciados. Do mesmo modo, se a pessoa que está morrendo for capaz de rezar adequadamente, os Budas evitarão que ela entre no caminho que conduz aos reinos inferiores simplesmente devido ao fato de que seus nomes foram pronunciados. Isto é, portanto, extremamente útil. A prece é como se fosse nosso ajudante e nossa guarda pessoal no período da morte. É de grande importância e benefício. Primeiro de tudo a pessoa no processo da morte cai em um estado de ausência e inconsciência. Quando a consciência se manifesta novamente, a luminosidade aparece e, se não for reconhecida, se vai e as visões do bardo da realidade última começam a aparecer. É quando as deidades pacíficas e iradas com seus sons aterradores e luzes surgem e também as visões de encruzilhadas que conduzem a terríveis precipícios. Se não houver o reconhecimento de que estes sons incríveis e os raios de luz nada mais são do que projeções da própria mente, nada que não apenas o poder criativo da lucidez da consciência, então surgirá um terror intenso. As visões ocorrem, o medo surge, e então as visões esvaecem e somem. Neste ponto a consciência deixa o corpo, saindo pela abertura correspondente à experiência . 6. O bardo cármico do ressurgimento Neste ponto ocorre a separação entre a mente o corpo. Uma vez que a mente é agora independente do corpo, está sem suporte físico. O corpo material grosseiro se foi, há apenas um corpo sutil composto de luz. Este corpo sutil carece das substâncias essenciais recebidas do pai e mãe, e, conseqüentemente a pessoa falecida não tem mais a percepção da luz do sol e da lua. Entretanto, há um tipo de brilho luminescente, uma energia mental, emitida pelo corpo de luz. Isto cria na pessoa a impressão que é possível ver seu próprio caminho. Adicionalmente, todos os seres que estão vagueando no bardo do ressurgimento podem ver e ouvir uns aos outros. Outro aspecto deste bardo é que tão pronto a consciência aspire estar em algum lugar, instantaneamente surgirá neste exato lugar. Os únicos lugares fechados são o ventre de sua futura mãe e Vajrasana, o lugar sagrado onde todos os Budas atingem a iluminação . O corpo de bardo é um “corpo mental”, e esta é a razão pela qual ele se apresenta em um lugar no instante mesmo em que pensar nele. A mente da pessoa falecida também possui uma certa clarividência, ainda que dotada das cores das perturbações cármicas. Ela sabe o que os outros estão pensando. Uma pessoa que tenha morrido recentemente pode perceber como os outros estão usando as posses que ela acumulou no curso de sua vida, o que eles estão pensando, e como eles estão fazendo as práticas de acumulação de méritos e dedicando para seu benefício. Os vivos não vêem os mortos, mas os mortos vêem os vivos. Os seres no bardo se agrupam e sofrem das sensações de fome e sede, calor e frio. Eles experimentam sofrimento intenso enquanto vagueiam no estado intermediário. Aqueles que de fato vagueiam no bardo são os que falharam em praticar muitas virtudes em suas vidas, mas ao mesmo tempo não acumularam muitos sofrimentos. Os seres que cometeram muitas negatividades não experimentarão o bardo do ressurgimento. Tão pronto eles morrerem e fecharem seus olhos, instantaneamente surgirão nos reinos inferiores. De outro lado, aqueles que acumularam muitos méritos se transferirão imediatamente para as terras puras. Em geral, uma vez que pessoas como nós, nem são grandes pecadores e nem grande santos, teremos que passar pela experiência do bardo do ressurgimento e isto nada mais é do que sofrimento. Por outro lado, os mortos podem ser protegidos dos horrores do bardo e atingir a liberação. Isto acontece caso a pessoa tenha realizado muitas ações meritórias, tenha feito oferendas às Três Jóias, tenha praticado caridade com os pobres, e assim por diante; e se outros tenham construído a mandala das deidades pacíficas e iradas e realizado o ritual no qual tenha sido queimado um papel com o nome da pessoa falecida, e se a iniciação tenha sido dada (conduzindo a consciência da pessoa falecida a destinos mais elevados). Este conjunto de medidas é como se um grupo de pessoas corresse ao mesmo tempo para agarrar o outro, evitando que caia em um precipício. Esta é a razão pela qual se diz que devemos dedicar muitas ações positivas aos mortos. Durante os primeiros vinte e um dias após o evento da morte, os mortos têm os mesmos tipos de percepções que tiveram durante a vida. Têm a sensação de possuírem o mesmo corpo e mente como antes, e percebem os mesmos ambientes que experimentaram durante a vida. Após, eles começam a ter percepções relacionadas ao lugar onde eles tomarão renascimento na próxima vida. Esta é a razão pela qual se diz que o período de quarenta e nove dias – particularmente as primeiras três semanas – é extremamente importante. Durante este período, se muitos méritos forem acumulados por outras pessoas em proveito do falecido, se diz que mesmo se a pessoa em questão estiver se dirigindo aos reinos inferiores, a compaixão das Três Jóias pode conduzi-la a um destino mais elevado. Após tal período, entretanto, seu carma a conduzirá para os reinos inferiores e, mesmo que a compaixão das Três Jóias permaneça inalterada, não terá o poder de conduzi-la a um destino mais elevado até que o carma negativo seja exaurido. Esta, então, é uma explicação da importância de acumular uma grande quantidade de mérito para proveito dos seres falecidos. As pessoas que vivem suas vidas ligadas ao Darma e estejam acostumados a fazer as práticas, reconhecem quando estão no bardo do ressurgimento e que morreram. Eles compreendem onde estão, relembram seu professor e sua deidade Yidam. Ao invoca-los concentradamente, renascem nas terras puras de Sukhavati, Abhirati, ou na Gloriosa Montanha Cor de Cobre . Para um lama realizado é também possível invocar a consciência do bardo para seu nome escrito em um papel e revelar a esta consciência o verdadeiro caminho. Ao dar ensinamentos e iniciações, o lama pode mostrar a estes seres o caminho das terras puras dos Budas, ou pelo menos levar a consciência do bardo a um novo renascimento humano . Tudo depende do carma, aspiração e da devoção do falecido. De todos os bardos, o mais crucial é o bardo da vida presente. Por isto é agora, no bardo da vida presente que precisamos agir e praticar corretamente, de tal forma que não tenhamos no futuro que vaguear por outros bardos. A sadana do Grande Compassivo é a verdadeira essência de todos os sutras e tantras. Guru Rinpoche destilou-a como um método pelo qual os discípulos que tenham conexão com ela serão capazes de tomar renascimento em Sukhavati. Subseqüentemente ele ocultou-a como terma e foi o Vidyadhara Dudul Dorje, o prévio Dudjom, que a revelou . Nós podemos dizer que a suprema fonte originadora de todos os ensinamentos de todos os Budas é o Buda Samantabadra ou Amitaba (que de fato são idênticos). Nunca agitando a pacífica amplidão de sua mente, o Buda Amitaba olha com compaixão incessante a todos os seres dos seis reinos. Da radiância de seu amor surge Avalokitesvara, o Grande Compassivo. Avalokitesvara ou Tcherenzig é a corporificação espontânea da fala compassiva de todos os Budas. Na presença de Amitaba ele fez a promessa de não entrar na iluminação final e permanecer como um bodisatva. Ele prometeu, em outras palavras, que seguiria ajudando os seres até que as últimas profundezas de samsara fossem sacudidas e esvaziadas de seres. Daquele momento em diante, com grande compaixão, ele conduziu os seres aos três âmbitos de Sukhavati, a terra pura de Amitaba. Há a lenda de que houve um momento quando ele pensou que tinha completado sua tarefa e mirou ao redor e, naquele mesmo instante verificou que havia exatamente o mesmo número de seres – nem mais e nem menos – como havia antes. Percebendo que os seres de samsara não haviam diminuído, ele deprimiu-se e refletiu consigo mesmo, “nunca chegará o momento em que concluirei a tarefa de levar todos os seres para as terras puras”. Assim seu voto de bodicita falhou. Sua cabeça rompeu-se em onze pedaços e seu corpo dividiu-se em mil fragmentos. Neste exato momento o Buda Amitaba apareceu e disse: “Filho da minha linhagem, você corrompeu seu voto de bodicita? Reassuma-o e esforce-se pelo benefício dos seres como no passado!” Dizendo isto, ele abençoou a cabeça fraturada e os mil pedaços de seu corpo. Avalokitesvara levantou-se novamente, agora com onze cabeças e com um corpo dotado de mil braços e olhos para trabalhar pelo benefício dos seres. Graças a sua aspiração iluminada, seus mil braços emanaram um milhar de reis Chakravartin, e de seus mil olhos apareceram os mil budas deste kalpa afortunado. Todos estes mil budas se manifestarão inteiramente devido à compaixão de Avalokitesvara. Dudjom Lingpa também referido como Dudul Dorje (1835-1903), foi uma manifestação de Khyeuchung Lotsawa, um dos vinte e cinco discípulos de Padmasambhava. Um yogue e professor realizado. Teve muitos discípulos que atingiram o corpo de arco-íris. [Este texto é um fragmento do livro “Counsels from My Heart” de Dudjom Rinpoche, Shambala, Boston & London 2001, traduzido pelo Padmakara Translation Group. A tradução para a língua portuguesa foi feita por Padma Samten em Sera, Índia, quando do evento do Mahasamadhi de seu mestre, Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche, ocorrido em Três Coroas, Brasil, em 17 de novembro de 2002. A motivação que desencadeou esta atividade foi a de utilizar as intensas bênçãos da presença luminosa que Chagdud Tulku Rinpoche apresenta especialmente neste momento, para produzir uma energia de realização do ensinamento fundamental dos seis bardos, oferecido nas palavras de seu próprio mestre, Dudjom Rinpoche Jigdral Yeshe Dorje. Que isto produza a liberação dos bardos dolorosos a muitos e muitos seres em todas as direções. Que esta tradução fique permanentemente dotada da capacidade de transformar as mentes que voltarem seu pensamento a Chagdud Rinpoche inseparável de toda a mandala dos mestres da Linhagem.]

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