quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O controle é a essência do Samsara

“O controle é a essência do Samsara”, é a relembrança de um dos ensinamentos de Lama Padma Samten. Samsara é a roda da vida,é a experiência desta vida, com suas mudanças, com seus ciclos viciosos, onde a única coisa permanente é a impermanência. A incompreensão sobre as insatisfações que nos acompanham é o que o Budismo chama de sofrimento – duka; o sofrimento das mudanças e perdas, o sofrimento das dores físicas e o sofrimento das incoerências da própria vida – catástrofes, guerras, epidemias, injustiças e outras crises. Vivemos em bolhas de realidades prestes a estourar e surgirmos em outras; dentro dessas bolhas ainda existem as borbulhas. Todas as situações que vivemos, todos os papeis que vivemos e nossas relações são bolhas e...pulamos de uma para outra. A questão é que não simplesmente vivemos essas bolhas, criamos dramas tentando manipular essas experiências para ter felicidade. Felicidade que também será impermanente. Como sentimos que “vivemos por um triz”, tentamos nos controlar, controlar os outros, controlar as situações e as relações. É exatamente esse controle que cria os dramas; e o drama provoca os sofrimentos. Por isso é tão sábio aprender a separar desconforto e dificuldade de sofrimento. Uma doença pode provocar um grande desconforto ao corpo mas a verdadeira essência do ser continua intacta. As tentativas de controle aumentam o sofrimento, porque não há controle que consiga segurar o resultado para sempre. Desistir de controlar é uma vitória significativa. O controle é a essência do samsara porque é a essência dos apegos e dos desejos ilimitados. Assim: * nos medos, tentamos controlar o futuro para que os medos não se concretizam *nas invejas, tentamos controlar nossas incompetências * na vaidade, tentamos controlar os reflexos de nossa imagem e do dinheiro *no egoísmo, tentamos defender nossas identidades, nossos bens, nossos títulos e nossas fronteiras *nas neuroses e confusões, tentamos controlar nossas duvidas e ignorâncias *nas nossas raivas, tentamos controlar nossos inimigos. Veja bem: evitar ser escravo da neurose controladora é bem diferente de ser negligente!!!! Mesmo porque ser atento e cuidadoso é uma das Inteligências Budicas!!!! E todos esses controles obrigam a que vivamos armados, na defensiva. Somos condicionados desde pequenos a controlar o corpo, o comportamento, os impulsos etc Desistir desses condicionamentos, do controle manipulador, desistir de ser o centro das importâncias, nos desarma, abrimos nossa bondade essencial, abrimos nossa mente e nos conectamos com nossa verdadeira natureza – alegre, lúcida e LIVRE. O grave: para tentar controlar precisamos ser controlados; o controlador é quem é mais controlado – ciclo sem fim.... É difícil !!!! bastante difícil !!! Mas vale tentar !!!! o pouco que se consiga liberar a “ síndrome do controlador” já vai ser muito!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O catador de tomates

Entre as 6 Paramitas da filosofia budista está prajna– paciência, generosidade, esforço constante, concentração, moralidade e prajna. Prajna é um termo tibetano que tem o sentido de sabedoria, conhecimento superior, discernimento. Sabedoria é a capacidade de lucidez; lucidez de superar nosso ponto-de-vista fixo e obter um entendimento amplo para lidar com as situações. “Prajna é a qualidade de olhar as situações sem fazer nenhuma projeção a respeito delas. É excluir o “eu” do problema para enxergar melhor a situação” LodroRinzler Sabedoria de dissolver o apego às nossas opiniões, às nossas crenças porque elas limitam a visão e são um obstáculo à verdadeira compreensão da natureza dos fenômenos e de como viver as relações pacificamente. Era uma vez... assim eu lembro que li num livro de Rinzler: Era uma vez de verdade...um centro de estudos que estava em um retiro com bastante gente; todos os funcionários na cozinha e na horta se agitavam para atender as necessidades dos muitos meditantes e isso trazia a exaustão deles. Num desses dias alguém trouxe um caixote de tomates e apoiou na bancada onde um cozinheiro trabalhava. Cansado, enfurecido e se sentindo desrespeitado o cozinheiro jogou a caixa no jardineiro e “voou” tomate para todos os lados assustando a quem presenciava a cena. Durante alguns minutos ficaram se entreolhando silenciosa e fixamente enquanto os espectadores davam suas opiniões criticando essa atitude durante um retiro para meditação, que eles deveriam ser retirados do recinto etc etc etc No meio da confusão um jovem, sem dizer uma só palavra e sem dar poder para seu ego pegou a caixa, começou a colocar um a um os tomates de volta e retirou o caixote da “cena do crime” para que tudo fosse resolvido depois da raiva passar. Não sei como a história terminou mas com certeza, alguém ter deixado de lado suas próprias opiniões e tomar uma atitude para resfriar os ânimos, “abriu” espaço para resolver a situação pacificamente. Numa disputa tornar-se um catador de tomates pode fazer toda a diferença para o final das “guerras do ego”.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Difícil cortar o cordão umbilical

Lembrando novamente a entrevista do neuro cirurgião Dr. Paulo Nyemeir Filho: Na primeira grave cirurgia que fez,pediu que o pai, grande cirurgião, estivesse presente na sala. Ao iniciar procedimento, se deparando com serias dificuldades como previa, perguntou ao pai o que fazer; ao que ele ouviu como resposta: “não sei , o paciente é seu!” Naquele momento, rompeu-se o cordão umbilical. E...como é difícil romper esses cordões; cordões umbilicais não só dos pais, de vários outros apoios: da casa em que se está habituado, dos caminhos seguros de costume, dos amores que nos cuidam, das crenças das “autoridades” que admiramos, enfim... de todos nossos “pais” e mães”. Por que? Porque precisamos contar conosco, com nossa experiência seja ela de que tamanho for. Mas só assim crescemos, porque só se cresce com autonomia e liberdade. Só assim fazemos nossa história. Enquanto estamos presos, estamos continuando a história da pessoa a que nos agarramos e repassamos nossas decisões e escolhas. Um dos “sustos” que levei no início dos estudos do Budismo foi quando ouvi que deveríamos nos preparar para, ao chegar do outro lado do rio, largar também a canoa do Budismo; depois da travessia ela não seria mais necessária”. Outro momento que tive a mesma sensação de susto foi quando ao participar do retiro de Kalachacra, no segundo dia após a iniciação, o Lama Rinpoche se despediu por motivos pessoais deixando os ensinamentos aos cuidados de outro Mestre. Ao nos ver surpresos e decepcionados, alertou para que não houvesse choro nem drama, mesmo porque chegaria o dia que ele não estaria mais entre nós e aí.....precisaríamos caminhar sem ele. São momentos muitas vezes doídos, mas necessários...ou queremos viver como parasitas???? Até quando?????

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Agora é hora da culpa...

Já escrevi sobre ciúmes, inveja, raiva, complexos e outras emoções perturbadoras...agora é hora de falar sobre a culpa. Assistindo a entrevista realizada por Roberto D’Avila com o neurocirurgião Dr.Paulo Niemeyer chamou atenção uma de suas respostas. Perguntado sobre sua reação a resultados negativos nas cirurgias, comentou que esses episódios provocam a reflexão sobre o que poderia ter sido feito diferente e que, a culpa que sente é reflexo do seu comprometimento com sua profissão. Isso me fez pensar sobre esse fantasma que é a culpa, que persegue, que atormenta e que aparentemente é inútil. No entanto essa colocação do médico faz aparecer o lado positivo da culpa: o comprometimento com a seriedade das nossas escolhas e ações. Busquei no “arquivo vivo” de lembranças os inúmeros momentos em que senti e sinto culpa, o esforço por me livrar dessa emoção tão incomoda e, ao assistir ao programa, descobri exatamente como essa sensação pode ser vista também de forma positiva quando a percebo como reflexo de compromisso de vida. É verdade que varias vezes essas culpas assumem um tamanho doido e exagerado mas, ao retirar o “drama inútil”, são realmente reflexo do sentimento de comprometimento com as intenções solidarias que, como muitas outras pessoas, tento manter pela vida. O remorso e o arrependimento são também faces da culpa, mas parecem não ter esse peso tão forte como o compromisso com o bem estar dos seres. O lado sinistro da culpa é quando ela é reflexo da vaidade, do apego à própria imagem, da obsessão por agradar e ser valorizado e da necessidade de se sentir perdoado; nesses casos ao ser confrontado, ao invés de investigar o assunto mais profundamente, se sente atingido, invalidado, incompleto, incapaz e acaba atraindo um tipo de prisão porque....teoricamente, pra todo o culpado existe uma punição. Essas prisões podem ser: incapacidade de resolver dificuldades financeiras, de encontrar um par amoroso, de manter um trabalho, de se auto sabotar na saúde, escolhas equivocadas, bem...acredito que você conheça ainda varias outras formas de se sentir aprisionado. Aprendendo cada vez mais sobre os 2 lados das emoções perturbadoras , agradeço ao Dr. Paulo Niemeyer ter clareado o lado positivo da culpa.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Somos filhos do desejo

Como lembra Lama Yeshe em seu livro “Introdução ao Tantra” somos seres de desejos, vivemos num mundo de desejos: “ Desde o momento em quem acordamos, até o momento em que adormecemos, e mesmo durante nossos sonhos, somos movidos pelo desejo. ........................... Nossos desejos não estão limitados por coisas que podemos ver, ouvir, cheirar, saborear e tocar. A nossa mente procura idéias com a mesma avidez com que nossa língua procura sabores. ............... Na verdade, o desejo é tão presente que é de se duvidar se existe alguma coisa que façamos que não seja motivada por ele. ................. Além de todos os nossos desejos está a vontade de sermos felizes. ................. Nenhum de nós quer o sofrimento nem menor desapontamento. Se observarmos bem, veremos que todas as nossas ações são motivadas ou pelo desejo de vivenciar coisas prazerosas, ou pelo desejo de evitar experiências desagradáveis.” São desejos de querer algo ou de evitar algo, querer alguém ou evitar alguém. Desejar faz parte da nossa humanidade, o que atrapalha é o apego que se segue ou transformar o desejo, a vontade de ser feliz em desejo ilimitado. Os apegos e os desejos ilimitados são fixações geradas pela ignorância; essas fixações estreitam a visão e se transformam em obstáculos. É ignorância tudo que rouba a liberdade, a nossa e a dos outros; seja a visão pobre da realidade, seja preconceito, ou preguiça, ou inveja, ou agressividade, ou oportunismo.... egoísmos em suas varias fantasias. Pior...quanto maior o desejo, mais irreal é a imagem que fazemos do objeto de desejo; porque o desejo ilimitado deforma a percepção e cada vez mais longe da realidade, o resultado será uma forte decepção quando a projeção se dissolver. Se o desejo faz parte do nosso ser humano, como torná-lo uma vantagem? _Escolhendo qual o objeto do nosso desejo. Pode ser por exemplo o desejo ao bem estar de outro ser através por da pratica de uma ou mais das 4 generosidades: *dar apoio material *dar proteção *ensinar o que sabe *dar aceitação Ou • Dar apoio material, sem te fazer falta; por isso não se empresta, se dá. • Dar proteção para aliviar os medos. • Ensinar o que sabe de sua própria experiência e não se omitir. • Aceitar sem julgar, sem precisar concordar. E...a maior generosidade de todas: ajudar a pessoa se sentir livre. “A quantidade de felicidade que você tem depende da quantidade de liberdade que você tem no seu coração” ThichNhatHanh

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Quando o complexo de inferioridade aparece...

“A compreensão da ausência de liberdade do outro quando se mostra agressivo vai nos impedir de rejeitá-lo. Ao contrário, teremos por ele muito mais compaixão e desejaremos, caso não possamos ajudá-lo neste momento, poder fazê-lo no futuro.” Bokar Rinpoche Ouvindo a queixa de uma conhecida sobre como resolver a vigilância permanente do marido recorri às lembranças dos ensinamentos... O complexo de inferioridade costuma ser o responsável principal pela necessidade de submeter outros aos nossos caprichos: é a sensação de sentir-se menos, buscar se defender para escapar de emoção perturbadora. Nessa busca as pessoas se transformam em ciumentos neuróticos. As desconfianças do vigilante neurótico é sintoma de que está havendo um vazio na vida que precisa ser preenchido, a falta de um projeto pessoal significativo; pode ser também o sintoma de que uma das áreas de sua vida perdeu dramaticamente o poder. O complexo de inferioridade pode ser explícito mas comumente vem disfarçado com outras mascaras conhecidas: a postura de superioridade, o desconfiado, o bonzinho, o presenteador, o mega generoso, o perfeccionista, o autoritário, o misterioso, o justiceiro, o criador de armadilhas, o popular etc etc etc Fora que quem é portador desse ciúme doentio, deforma o que vê e o que ouve; perigoso!!! Porque a vida fica povoada por fantasmas. Busque algum exemplo que conhece (ou em que você se encaixa) e observe se compreende como o complexo de inferioridade criou esse personagem. A questão depois de compreender esse jogo de controlador e controlado é descobrir como desmontar esse teatro com COMPAIXÃO através das Inteligências ( Sabedorias); um caminho é : 1- Compreender o complexo (neurótico) do outro e o que está despertando isso nele SILENCIOSAMENTE. 2- Entender o outro no mundo dele e reconhecer seus valores. 3- Perder o medo de quem está vigiando, não se deixar ameaçar pelas dificuldades, continuar na positividade e na moralidade. 4- Tomar consciência do medo de ser abandonado, da perda ( um dia todos se separarão e saberão sobreviver por sua conta) 5- Em que momento e para que foi permitido que esse jogo fosse instalado? 6- Honrar-se, valorizar-se: as pessoas só invadem nossa vida quando abrimos a porta.Mas...as pessoas podem tentar invadir nossa vida mas não precisamos nos sentir invadidos...basta manter-se estável como se fossemos uma montanha. 7- Nossa vida é preciosa, defenda-a!!!! Mas quem vigia é quem se torna auto-vigiado....quem controla tem que se controlar......e muiiiito! Ruim para quem é controlado, pior para quem controla...piedade para todos!!!!! A liberdade é um Bem precioso e direito de todos os seres. Na verdade a questão é : somos todos filhos do desejo; desejo de ter algo ou ALGUÉM e desejos de evitar algo ou ALGUÉM..... Mas isto é uma “história” para um outro dia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Compaixão pelos suicidas

E por outras mortes inesperadas... A gente vê as pessoas vivendo ( ou tentando viver) e não imagina o que vai no coração e na história delas, no seu isolamento. Com certeza a origem forte que leva ao suicídio é a solidão. Mas essa sensação de solidão é que precisa ser investigada;me parece, no caso de pessoas que pude acompanhar seu sofrimento mais de perto, que a insatisfação crônica era uma constante companhia. Existe um outro componente é a crença que o suicídio é uma marca de família...então as escolhas que os suicidas fazem serão para validar essa crença. Mas em todos os casos o componente de vingança está presente evidente ou disfarçado; vingança pela frustração da própria incompetência em lidar com as altas expectativas somada à magoa que culpa a família por não ter sido a família que se esperava – a família que teria que prover suas expectativas emocionais e materiais.. principalmente quando deixam as cartas e recados para serem achados após sua morte. Mas, como disse Buda: vingança é uma pedra incandescente que antes de atingir o inimigo queima nossa mão. Existe também os casos em que uma perda inesperada provoca a perda da lucidez e a confusão mental. Claro que existem encenações para impressionar; mas mesmo nesses casos o ser está em sofrimento porque quem está razoavelmente bem não quer causar sofrimento e muito menos, impressionar para resgatar sua importância. Há uma regra da vida e da ética a ser respeitada e que às vezes esquecemos: o mais forte cuida do mais fraco. Assim o caminhão tem que cuidar dos automóveis, das motos e das bicicletas. Os adultos cuidam de suas crias e das crias dos outros. O mais rico cuida do mais pobre. O saudável cuida do doente. Quem está mais forte cuida do mais fraco. Quem você cuida? Ou...por quem é cuidado? Essa regra de ouro auxilia que a vida e as relações sejam mais coerentes e compassivas. Como diz SS Dalai Lama, tanto quanto nos for possível; porque infelizmente não conseguimos resolver todas dificuldades que testemunhamos, poucas vezes somos capazes de arrancar nossos amados seres irmãos de seu sofrimento. Mas...sempre podemos esticar as mãos e ficar juntos.... Mas...se o fato se consumar e a morte for inesperada, dediquemos nossas vibrações compassivas e amorosas em forma de luzes para que acalmem e iluminem esse ser e sua passagem.